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🏀 Análise vídeo | Joe Mazzulla testa limites de Neemias Queta

'Back-to-back' frente a Detroit Pistons e Toronto Raptors serviu para fazer experiências com o português, em contexto de pressão e alta intensidade.
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Para alguém que tem o rótulo de especialista defensivo, Neemias Queta tem merecido mais minutos sobretudo nos jogos dos Boston Celtics em que consegue impactar o ataque da equipa de Joe Mazzulla. E, à medida que o treinador tem descoberto novas facetas do jogo de Neemias, a sua utilidade aumenta.

Mazzulla tem experimentado o poste de 2,13 metros em vários lineups diferentes e, à medida que a amostra vai crescendo, é possível concluir que Neemias encaixa melhor - por conseguir ser um factor mais relevante - em lineups com Derrick White, Payton Pritchard ou até Jaylen Brown como ballhandler, e perde protagonismo quando a bola está nas mãos de Jrue Holiday e Jayson Tatum.

Na verdade, até há registo de várias posses de bola com sucesso a partir do 2-man game Tatum-Queta, como já detalhámos aqui, mas a dieta de lançamentos da principal estrela dos Celtics é à base de isolamentos e criação individual, sem envolvimento de colegas. E quando Mazzulla apostou em dois bigs em simultâneo, a parelha de Queta com Kristaps Porziņģis não funcionou, enquanto a coabitação com o versátil Al Horford surpreendeu pela positiva.

Quanto à defesa, e apesar de Neemias ter revelado algumas dificuldades iniciais na assimilação dos esquemas da equipa, o técnico dos “verdes” tem elogiado a capacidade de aprendizagem do poste e continua a lançar-lhe novos desafios, com encaixes diferentes e o objectivo claro de conhecer os limites do seu atleta e perceber com o que pode contar no imediato e o que é necessário melhorar.

No back-to-back frente a Detroit Pistons e Toronto Raptors, as experiências de Mazzulla deixaram evidente de que forma Neemias pode ser extremamente útil ou anulado por completo, e revelaram capacidades podem dar mais versatilidade à equipa e, por consequência, mais tempo de jogo ao poste luso.

Neste artigo, vamos comparar as métricas avançadas de Neemias com o que nos mostra o filme destes dois jogos e tentar perceber se os números validam o que veem os olhos - os nossos e os de Joe Mazzulla - e se, de facto, o poste de 24 anos é mais talhado para alguns jogos do que para outros.

Comecemos pelos números. As métricas avançadas dizem que, dentro da equipa, há fits melhores e piores para Neemias. De acordo com o site oficial da NBA, os lineups que juntam o português a Derrick White ou a Jaylen Brown têm-se relevado muito produtivos nos dois lados do campo, e os encaixes com Sam Hauser ou Al Horford estão igualmente a dar bons resultados na coluna do Net Rating, que calcula a diferença entre eficiências ofensiva e defensiva.

Apesar da amostra pequena, os 3-man lineups seguem a mesma tendência.

E o eye test?


Dois bigs

Sendo um não lançador, pelo menos nesta fase da carreira, Neemias Queta é potenciado como referência interior se partilhar o campo com quatro jogadores que consigam espaçar o ataque com lançamento de três pontos. Tanto Horford como Porziņģis são bons atiradores, mas o letão é um dos melhores jogadores da NBA a tirar vantagens perto do cesto e isso tem que fazer parte do playbook da equipa.

Se viram com atenção o quadro dos 2-man lineups partilhado em cima, repararam que Neemias e Porziņģis partilharam o campo durante curtíssimos 8 minutos. É irresponsável tirar conclusões de uma amostra tão residual, pelo que a eficiência ofensiva de 62.5 pontos por cada 100 posses de bola deve ser desvalorizada. Mas o vídeo não mente.

Quando joga em simultâneo com Neemias, Porziņģis tem que ficar estático no perímetro e limitar-se a ser uma ameaça de catch and shoot, porque se, como neste vídeo, decidir procurar posições interiores, vai obrigar Neemias a deslocar-se para o perímetro, onde não representa qualquer perigo, permitindo ainda que o defensor directo do português possa dar ajudas mais profundas.

A próxima situação, que até acaba com um possível and+1, é sintomática desta incapacidade de Neemias e Porziņģis partilharem o campo. O português posiciona-se no dunker spot do lado fraco, como faz tantas vezes, dando espaço ao portador da bola para operar a partir do drible. Mas, aquando da mudança do lado da bola, Porziņģis mostra-se a Tatum e vai ocupar a mesma zona de Neemias, que se vê obrigado a ir para o lado contrário.

Tatum, com o aglomerado de jogadores no interior, não tem confiança no passe de entrada para Porziņģis e decide-se pela penetração, mas a movimentação de Neemias arrasta o seu defensor, James Wiseman, para o pintado, aumentando o tráfego.

O extremo consegue marcar com dois defensores pendurados em cima de si, enquanto Neemias está no sozinho no dunker spot. Péssimo spacing, más decisões, execução horrível e, porque o talento vale muito, até acabou em cesto. Mas com a presença de Porziņģis em zonas interiores, Neemias é claramente um corpo estranho.

O caso muda de figura se o parceiro de frontcourt de Neemias for Al Horford. Com mais rotinas a jogar no perímetro e por já ter desempenhado funções de extremo/poste e de poste ao longo da carreira, jogando sozinho ou ao lado de outro big, o dominicano sabe sempre como reagir à presença de Neemias e evitar que ambos ocupem as mesmas zonas.

Estas três situações de bloqueio directo central entre Derrick White e Neemias resultam todas em pontos fáceis porque, para além da execução perfeita dos dois envolvidos, os outros três jogadores dos Celtics são lançadores e estão a espaçar o campo ou em acções que retiram ao defensor a possibilidade de intervir.

No caso específico de Horford, a sua ameaça enquanto lançador impede o seu defensor, Bojan Bogdanović, de esboçar qualquer tipo de ajuda. E no terceiro clip, Horford até inicia o ataque na zona do poste baixo, mas apercebe-se que White e Neemias vão iniciar um bloqueio directo e recoloca-se no canto, numa acção decisiva para limpar a área restrictiva e o português finalizar o alley-oop sem oposição.


Ao serviço dos ballhandlers

Já destacámos, num artigo recente, as screen assists do homem que é conhecido como “A Grande Muralha do Vale da Amoreira”. Os bloqueios são massivos por uma questão de volumetria, mas Neemias tem trabalhado na correcção de ângulos e timings para executar bloqueios perfeitos, e os colegas estão a aprender a utilizar essa arma.

A falta de rotinas ainda se nota, como nestas duas situações em que os ballhandlers não esperaram o suficiente para Neemias estabelecer a sua posição e iniciaram o drible demasiado cedo. Com a má execução do 2x2, o defensor do portador da bola navega o bloqueio e contesta a penetração com sucesso. A responsabilidade da falta de eficácia deste pick & roll é toda do jogador com bola.

Ainda assim, estas falhas de comunicação são cada vez menos frequentes e a equipa técnica dos Celtics já percebeu que pode tirar grandes benefícios do envolvimento de Neemias em acções ofensivas a partir do pick & roll. Nos dez jogos em que participou, os bloqueios directos com Neemias como roll man resultaram numa média de 1.42 pontos por posse de bola e uma eficácia de 80.0% de lançamentos de campo, o que são números ridicularmente bons.

Em metade desses dez jogos, as screen assists de Neemias foram decisivas e criaram muitos pontos para os Celtics:

  • vs. Magic: 16 min., 5 screen assists, 13 screen assists points

  • at Warriors: 21 min., 5 screen assists, 11 screen assists points

  • at Kings: 19 min., 4 screen assists, 11 screen assists points

  • at Clippers: 23 min., 3 screen assists, 7 screen assists points

  • vs. Pistons: 20 min., 4 screen assists, 10 screen assists points

Em 99 minutos de utilização nesse bloco de cinco jogos, Neemias fez 21 screen assists e contribuiu directamente para 52 pontos, para além dos 37 que ele próprio marcou e de mais uns pozinhos somados a partir das 5 assistências que distribuiu. Contas feitas, foram mais de 100 pontos em 99 minutos, por influência directa do especialista defensivo que tem um papel limitado no ataque. Nada mau para um jogador com contrato two-way, certo?

Quanto às outras cinco partidas, foram as primeiras três da época, em que ainda não era envolvido pelos colegas e não estava fisicamente a 100%, e os recentes jogos frente a Los Angeles Lakers (apenas 7 minutos) e Toronto Raptors, em que foi defendido por OG Anunoby e Pascal Siakam, que os Celtics não quiseram envolver de forma estratégica na defesa de bloqueios directos, por terem facilidade em trocar e encaixar em ballhandlers.

Com a utilidade condicionada de Neemias, Mazzulla optou pelas skills de Luke Kornet e ganhou a aposta, da mesma forma que Neemias foi o melhor encaixe nas tais cinco partidas em que esteve em plano de destaque.

Vejamos, então, as várias utilidades de Neemias como bloqueador.

A mais importante será a execução de bloqueios directos com as duas estrelas da equipa, especialmente eficazes frente a postes adversários que defendam em drop. Ao gerar espaço a Tatum e Brown para operarem a partir do drible com conforto e criarem os seus próprios lançamentos, Neemias ganha valor. Potenciar os líderes do franchise é boa política.

O entrosamento que o tempo dá permite adicionar complexidade e foram testadas situações de 3x3, mais intricadas do ponto de vista táctico, em que Neemias oferece um bloqueio directo ao portador da bola seguido de um bloqueio indirecto a um atirador. Como tantas vezes acontece, sem reflexo na estatística do poste que, com timing e execução perfeitos, ajudou a criar a vantagem na acção inicial com bola e ajudou a garantir tempo e espaço para o lançador.

Neemias também começou a ser utilizado em situações especiais, como finais de período ou quando os 24 segundos estão a chegar ao fim. Em vez de um simples isolamento com os cinco jogadores abertos, Queta pode ser usado como bloqueador no topo e afastado dos 7,25 metros, sobretudo quando é defendido por um poste com dificuldades de deslocamento e frente a estratégias conservadoras da defesa do bloqueio. Para Jayson Tatum, isto é mel.

As repetições e o sucesso destas acções vão, com o tempo, gerar outro tipo de vantagens. O scouting das equipas adversárias vai alertar os jogadores para a elevada eficácia do pick & roll com Neemias como bloqueador e os defensores podem tentar antecipar o 2x2.

Aí, cabe ao ballhandler fazer a leitura correcta, como acontece na situação do vídeo seguinte, em que Payton Pritchard percebe que o defensor directo está mais preocupado em navegar o bloqueio do que em conter a bola. Ao negar o bloqueio, Pritchard cria a vantagem e obriga o defensor de Neemias, James Wiseman, a comprometer-se com a bola, o que deixa o português em excelente posição para capitalizar. Tomada de decisão perfeita de Pritchard, mas tudo começa na ameaça que o bloqueio de Neemias representa para a defesa.


Dúvidas e certezas na defesa

Os instintos defensivos de elite levam Neemias a querer mostrar provar que merece a fama de intimidador, mas há um outro lado da moeda. Para além dos problemas de faltas, toma algumas decisões desajustadas, que um maior conhecimento dos esquemas e mais tranquilidade (que um contrato standard poderá eventualmente trazer) vão ajudar a corrigir.

Nestes dois jogos, voltou a arriscar demasiado em tentativas de desarmes de lançamento que davam em goaltending por falhar o tempo de salto e em situações em que, pela vontade de ajudar um colega - por vezes, sem necessidade -, deixou o seu atacante directo sem oposição na tabela defensiva.

Quanto a experiências deste lado da bola, Mazzulla pediu a Neemias vários tipos de coverages [defesa do bloqueio directo], por vezes em posses de bola consecutivas, o que pode ser entendido como um desafio às capacidades físicas, técnicas, tácticas e mentais do português.

(Ao mais alto nível, uma equipa pode ter estratégias diferentes consoante o cinco da própria equipa que está em campo naquele momento e o cinco adversário, as características do portador da bola e do bloqueador (capacidade de lançamento, mão dominante, tendências consoante o tipo de defesa, etc.), a zona do campo, o momento do jogo e muitas outras variáveis. Na mesma posse de bola, é possível defender vários bloqueios de inúmeras formas diferentes e dominar um esquema é uma tarefa dificílima. E, depois de cada jogador estar confortável com o esquema, é preciso que cinco jogadores, sempre diferentes, estejam todos na mesma sintonia. É um verdadeiro bailado.)

Neemias esteve em high drop quando o homem da bola era Bojan Bogdanović, um atirador temível que não pode ter muito espaço. Bom posicionamento na primeira jogada, bem junto à linha de três pontos, e a mão levantada a contestar. O português fez tudo o que podia, apesar do lançamento certeiro do croata.

Na segunda jogada, nota-se o preciso momento em que Neemias percebe que é Bogdanović que está no pick & roll e salta para os 7,25 metros, para inibir o tiro exterior. A velocidade de reacção para se ajustar tendo em conta o matchup é positiva, bem como a forma como contestou a penetração e o lançamento.

Queta também defendeu em low drop, a estratégia mais habitual usada por jogadores grandes e pesados, e fê-lo quando o ballhandler era Killian Hayes, que não é uma grande ameaça da linha de três pontos e privilegia as penetrações.

E foi também testado numa estratégia mais agressiva, o hedge ou show, que tem como objectivo primário obrigar o ballhandler, que era o inspirado Cade Cunningham, a interromper o drible e a passar a bola. Neemias saltou muito bem para a frente de Cade, num primeiro momento, mas já não conseguiu recuperar a tempo de contestar o triplo, que não entrou mas foi completamente aberto.

E guardámos o melhor para o fim. No meio do caos que foi o jogo com os Pistons e durante uma posse de bola frente aos Raptors, Neemias Queta assumiu trocas defensivas e foi ao perímetro para tentar limitar jogadores exteriores. Resultado? Em seis posses de bola, o internacional português provocou quatro turnovers, contestou um lançamento que passou ao lado do aro e só sofreu um cesto, mas que deu muito trabalho.

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Borracha Laranja
Análise Vídeo 📼
Espaço de análise táctica e 'breakdown' de 'set-plays' e tendências de jogadores ou equipas, com recurso a vídeo.
Authors
Ricardo Brito Reis